Descrição

Eles são mais curtos que um romance ou uma novela, surgiram a partir de narrativas transmitidas de geração em geração, transitaram pelo fantástico, pela lenda de cunho histórico, abordaram modos e costumes e também se alimentaram de intrigas. Esse tipo de texto literário, que hoje é identificado como conto, foi praticado – mais do que se imagina – por muitos escritores e escritoras brasileiras ao longo do século XIX. Em pleno Romantismo, o gênero foi se fixando no cenário das letras nacionais mostrando facetas bem mais diversas – e interessantes – do que tradicionalmente se confere à produção literária do período. Isso é o que revela esta seleção inédita de textos preparada por Hélio de Seixas Guimarães e Vagner Camilo, ambos professores de Literatura da Universidade de São Paulo.

A antologia O sino e o relógio é fruto de um trabalho de pesquisa e coleta minuciosa que durou mais de dez anos. Com ênfase em material raro, publicado apenas na imprensa da época, a coletânea abrange autores hoje esquecidos, porém relevantes no século XIX, e traz obras assinadas por nomes geralmente associados a outros gêneros e atividades, como os poetas Fagundes Varela e Casimiro de Abreu, o editor Francisco de Paula Brito e o dramaturgo Martins Pena.

Entre as raridades da coletânea estão histórias escritas por mulheres, algumas pouco conhecidas hoje, como Corina Coaracy e Escolástica P. de L, ao lado de Nísia Floresta e Maria Firmina dos Reis. O conto de Coaracy, Conversações com minha filha: a mulher literata, é um surpreendente diálogo em que são expostas críticas à literatura praticada por mulheres. Outro aspecto interessante e incomum de O sino e o relógio é a inclusão de dois contos anônimos de boa qualidade. Ao todo são 25 narrativas publicadas entre 1836 e 1879.

O livro se divide em quatro grandes conjuntos temáticos – fantástico, histórico, cotidiano e intriga. São classificações que levam em conta a trama central dos contos, embora muitas vezes suas características se misturem. Essa disposição permite revelar que o Romantismo, tal como praticado no Brasil, abrangeu mais temas do que os tradicionalmente reconhecidos, como o indianismo ou a exaltação da natureza. Sobressaem na antologia os temas fantásticos e as crônicas de costume. Sobre o primeiro filão, os organizadores observam no prefácio que “as histórias são povoadas de seres fantásticos como tatus brancos, fantasmas, vozes cavernosas e cadaverosas, instrumentos mágicos e malditos e uma noiva-cadáver”.

O título O sino e o relógio se refere aos temas do primeiro e último contos do volume, da autoria, respectivamente, de Franklin Távora e Machado de Assis, este já tendendo a uma abordagem irônica dos postulados românticos e adotando um desenlace amargo, mais aparentado ao realismo. Lado a lado com os nomes hoje pouco conhecidos estão autores canônicos do Romantismo como José de Alencar, Bernardo Guimarães, Joaquim Manuel de Macedo e Visconde de Taunay.

O prefácio traz também uma análise original do surgimento e fixação do conto na literatura mundial, e especialmente no Brasil. Os autores, especializados na literatura da época, analisam o próprio uso do termo “conto”, que durante o período romântico ainda não se encontrava totalmente definido. Usavam-se na época as classificações raconto, novelas e anedotas, entre outras. A imprecisão vocabular contribuiu para a ideia de que o conto foi gênero raro no Romantismo brasileiro, o que a antologia mostra ser um equívoco. O sino e o relógio oferece ao leitor uma notável variedade, de aventuras passadas durante a Guerra do Paraguai e a Revolução Farroupilha até retratos da elite da capital do Império ou histórias de amor arrebatadoras.

Autor(a)

Joaquim Maria Machado de Assis é autor de uma produção vasta e diversificada que inclui poemas, peças teatrais, crítica, crônicas, contos e romances. Hoje talvez mais conhecido e celebrado como o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899), estreou antes no conto do que no romance. O domínio técnico da narrativa breve o coloca entre os grandes renovadores do gênero no século XIX, ao lado de Edgard Allan Poe, Anton Tchékov e Guy de Maupassant.

José Martiniano de Alencar é um dos nomes mais representativos do Romantismo brasileiro, tido como fundador do romance nacional, realizado por ele dentro das diversas modalidades que o gênero assumiu no período: o romance indianista, o histórico, o urbano, o regional etc. Alencar foi também cronista, dramaturgo, memorialista e polemista, além de ter tido participação ativa na política do Segundo Reinado.

Maria Firmina dos Reis foi escritora e contista, reivindicada como precursora, pela autoria do primeiro romance escrito por uma mulher no país, Úrsula. O reconhecimento dessa posição inaugural na tradição é resultado do revisionismo do cânone literário proposto pela crítica feminista.

Casimiro José Marques de Abreu é, sobretudo, lembrado como poeta. O autor de Primaveras é um dos principais nomes da chamada segunda geração romântica no Brasil. Das incursões do poeta pela prosa, e em particular pela narrativa breve, destacam-se os contos Camila – Memórias duma viagem e Carolina

Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay, destacou-se, entre outras atividades, como escritor e historiador. É autor de "Inocência", além de lembrado pelo relato histórico A retirada da Laguna e por outras obras em gêneros diversos, inclusive narrativas breves, como em Histórias brasileiras, livro no qual encontra-se uma história celebrada por críticos de diferentes filiações: Irecê, a guaná.

Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo de Dionísia Pinto Lisboa, foi pioneira na educação feminina no Brasil e teve destacado protagonismo como jornalista, escritora e poeta. Além da militância em prol dos direitos femininos, defendeu ideais abolicionistas e republicanos.

Joaquim Norberto de Sousa e Silva foi escritor, poeta, crítico literário e historiador. Colaborou em vários periódicos e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, órgão do qual chegou a ser presidente. Sua contribuição mais decisiva foi na crítica e na história da literatura, por seus estudos, memórias e edições anotadas de autores brasileiros.

Apolinário José Gomes Porto Alegre foi um importante historiador, poeta e escritor gaúcho. Em sua extensa obra, destacam-se volumes de narrativas breves, como Paisagens, O crioulo do pastoreio (lenda) e A tapera. Além da produção recolhida em livro, são vários os registros de escritos de sua autoria em periódicos.

João Manuel Pereira da Silva foi político, historiador e escritor. Filho de abastados comerciantes portugueses, estudou Direito em Paris e, ao retornar ao Brasil, entregou-se à ficção, sobretudo à narrativa histórica, algumas publicadas em jornais da época, como o Jornal do Commercio. Atuou como deputado por sua província, vinculado ao Partido Conservador. Sua contribuição para a historiografia literária brasileira se deu com a publicação do "Parnaso brasileiro".

Justiniano José da Rocha foi político, jornalista e tradutor. Seu nome está associado ao início da prosa ficcional no país e ao Romantismo. No jornalismo, sobressaiu sua índole panfletária, evidenciada em Ação, reação, transação. Fundou em 1836 o periódico O Cronista, em conjunto com Josino do Nascimento Silva. Seu nome entrou para a história oficial da imprensa do Império como jornalista maior, embora tenha sido tachado por seus críticos como porta-voz conservador, de pena alugada.

O maranhense Gentil Braga, ou Flávio Reimar (pseudônimo), foi poeta e escritor, geralmente mais lembrado pelo poema "Clara verbena", mas foi um autor de extremo talento como folhetinista e contista. Seu conto "Carlotinha da Mangueira" é uma das mais felizes realizações do gênero conto no contexto romântico brasileiro.

Flávio d’Aguiar (ou de Aguiar em algumas das ocorrências) é um nome sobre o qual não se tem nenhuma referência biográfica. Não se sabe se é, de fato, um autor que ensaiou o gênero ficcional nas páginas de um periódico como A Ilustração Brasileira, mas sem levar adiante seu talento, publicando em livro e se afirmando como escritor, ou, hipótese menos provável, embora não descartada de todo, se é pseudônimo de um autor conhecido apenas em âmbito local, o que não era incomum no período.

Josino do Nascimento Silva foi político e magistrado, atuando em vários cargos públicos ligados à direção da Secretaria de Justiça, da Instrução Pública e do Conservatório Dramático do Rio de Janeiro, além de se projetar como jornalista, tendo sido um dos fundadores do jornal O Cronista. Suas incursões pela literatura parecem ter permanecido dispersas em periódicos.

José Ferreira de Meneses, autor de contos dispersos em jornais e revistas, é o autor de Poverino, que promove, tal como outros tantos escritores do período, uma espécie de emulação de Noite na taverna, de Álvares de Azevedo. Seu conto "O punhal de marfim" nada fica a dever ao primeiro em termos de realização literária. Longe disso. Chama atenção, desde a abertura do conto, o modo como o autor joga com a expectativa do leitor diante do que o título sugere, no sentido da narrativa fantástica ou de horror.

Fagundes Varela se notabilizou como poeta integrado ao que se convencionou denominar de segunda geração romântica brasileira. É autor de Cantos e fantasias, Cantos meridionais e Cantos do ermo e da cidade, entre outros livros de poemas. Cântico do calvário é considerado um momento alto de sua criação. Seus escritos em prosa permaneceram dispersos e foram recolhidos em livro apenas posteriormente. Entre as tentativas de Varela com a narrativa breve, há títulos como “As ruínas da Glória”, aparentemente inspirado por Noite na taverna, de Álvares de Azevedo.

Joaquim Manuel de Macedo foi escritor e teatrólogo, entre outras tantas ocupações. Seu romance A moreninha é um dos marcos inaugurais do gênero no Brasil. Seu livro de narrativas breves mais lembrado é As vítimas-algozes.

Luís Caetano Pereira Guimarães Júnior foi diplomata, poeta, contista, romancista e teatrólogo. Sua produção literária se enquadra, inicialmente, no Romantismo, mas se estende até o Parnasianismo.

Bernardo Joaquim da Silva Guimarães é mais lembrado por sua produção ficcional, em particular seu romance A escrava Isaura. Mais recentemente, porém, resgatou-se sua poesia, sobretudo a humorística, evidenciando seu alto grau de ousadia e inventividade. O escritor e poeta mineiro também se destacou nas narrativas breves, recolhidas em livros como Lendas e romances e Histórias e tradições da província de Minas Gerais, que são produções de grande interesse.

Escolástica P. de L., nome ou talvez pseudônimo, sobre o qual não se dispõe de outras informações, assinava narrativas breves estampadas em páginas de periódicos femininos como O Jornal das Senhoras.

João Franklin da Silveira Távora, escritor, advogado e jornalista, é autor de O Cabeleira, marco do regionalismo romântico, e de um conjunto de contos ou histórias breves intitulado Lendas e tradições do Norte, que surpreende pela fusão do fabuloso e da matéria histórica.


Organizadores

Hélio de Seixas Guimarães, organizador do volume, é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, pesquisador do CNPq, pesquisador associado da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e editor da Machado de Assis em linha: revista eletrônica de estudos machadianos. Autor de Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século XIX, entre outros.

Vagner Camilo, organizador do volume, é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, pesquisador do CNPq e pesquisador vinculado ao projeto multidisciplinar "Reescrever o século XVI", desenvolvido conjuntamente por docentes da USP e da Universidade do Minho. Autor de Risos entre pares: poesia e humor românticos e Drummond: da Rosa do Povo à Rosa das Trevas.

Ficha Técnica

Informação Adicional

PDF primeiras páginas N/A
Dimensão (cm)
Peso (g)
Ano de Publicação 2020
Número de Páginas
Encadernação e Acabamento
ISBN 978-65-86398-03-8
Escritor(a) Apolinário Porto Alegre, Bernardo Guimarães, Casimiro de Abreu, Corina Coaracy, Escolástica P. de L., Fagundes Varela, Flávio d’Aguiar, Francisco de Paula Brito, Franklin Távora, Gentil Braga, J. F. de Meneses, João Manuel Pereira da Silva, Joaquim Manuel de Macedo, Joaquim Norberto de Sousa e Silva, José de Alencar, Josino do Nascimento Silva, Justiniano José da Rocha, Luís Guimarães Júnior, Machado de Assis, Maria Firmina dos Reis, Martins Pena, Nísia Floresta, Visconde de Taunay
Tradutor(a)
Ensaísta(s) Hélio de Seixas Guimarães
Designer
Ilustrador(a)
Idioma Original Português
tradutor ensaio

Saiu na Imprensa

"Mapeando textos fora do cânone, encontrando autores até então desconhecidos, ou simplesmente desprezados, perceberam que essa produção ia muito além dos temas geralmente associados a ela, como o nacionalismo, o indianismo, e a exaltação à natureza."
Bolivar Torres, O Globo, 23/03/2020 

"O sino e o relógio, lançado recentemente pela editora Carambaia, nos dá acesso à produção literária oitocentista para além do indianismo patriótico e outras marcas associadas ao período."
Augusto Tenório, Revista Continente, abril/2020 

"A obra privilegia textos raros da época, alguns nomes que foram invisibilizados (como as autoras abolicionistas Nísia Floresta e Maria Firmina dos Reis) e até dois contos publicados de forma anônima, cuja autoria ainda hoje é desconhecida."
André Cáceres e Antonio Gonçalves Filho, Estadão, 22/02/2020

"'O Sino e o Relógio' traz a público uma coleção de textos que dão boa noção do fazer literário no Brasil do século 19, que é marcado pela diversidade de temas, e não limitado à trama romântica, ao indianismo e à exaltação da natureza, como a crítica literária caracteriza esse período da literatura brasileira."
Roberto C. G. Castro, Jornal da USP, 03/04/2020

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