Descrição

Animais, folhas, flores, pedras preciosas, fluidos incontroláveis. O universo erótico de Marosa di Giorgio (1932-2004) é personalíssimo e espantoso em sua exploração dos mistérios do corpo. Considerada uma das raras vozes surrealistas da literatura latino-americana, a escritora uruguaia desenvolve narrativas em que o absurdo se apresenta em imagem alucinatórias, vivenciadas sem espanto pelos personagens. Seus contos reunidos em Rosa mística e traduzidos por Josely Vianna Baptista inauguram o selo Sete Chaves, voltado para a literatura erótica, com curadoria da crítica e professora de literatura Eliane Robert Moraes, autora também do posfácio. A edição traz, ainda, um ensaio da jornalista uruguaia Gabriela Aguerre.

Moraes observa que, em Di Giorgio, “o realismo da narração contrasta com a irrealidade das cenas narradas”, o que torna ainda mais radical a experiência do leitor. Nos contos da autora, uma mulher copula com um furão; outra bota ovos; um olho nasce nas costas de uma terceira; outra ainda, muito jovem e recém-iniciada na vida sexual, se autofecunda e acredita que está se tornando Deus. As surpresas se sucedem em quarenta histórias breves, sob o nome Lumínile (luminosidade, em romeno), mais a narrativa extensa que dá título à coletânea, última obra publicada pela escritora, em 2003.

As heroínas de Di Giorgio são inevitavelmente mulheres, amiúde em seus momentos de desvirginização ou casamento. São tão importantes seus atos quanto as formas que brotam de seus corpos em mutações espontâneas. O ambiente é natural, como na infância da autora – conhecida no Uruguai por apresentar recitais arrebatadores de seus poemas em teatros e casas noturnas, vestida de gala, rodeada de flores e descalça. O mundo infantil é uma presença constante também nos devaneios desatinados de suas personagens, muitas vezes em plena transição para a vida adulta. “A obra marosiana é, do início ao fim, motivada por impulsos libidinosos”, escreve Moraes, que destaca “um estranhíssimo humor obsceno”.

Vários críticos detectam na obra de Di Giorgio uma influência ou semelhança com os escritos do franco-uruguaio Isidore Ducasse, conhecido pelo pseudônimo de Conde de Lautréamont, autor dos célebres Cantos de Maldoror. Como ele, a escritora sempre fez questão de apagar os limites entre prosa e poesia, a ponto de ter intitulado seu primeiro livro de Poemas, embora fossem relatos ficcionais em texto corrido. A obra de Di Giorgio era pouco conhecida fora do Uruguai até os anos 1990, quando foram publicadas edições em países da América Latina e da Europa. A autora nunca foi grande vendedora de livros, mas é daquele tipo de artista que forma ao longo do tempo uma tradição de culto que mantém viva sua obra e seus entornos. Ser leitor de Di Giorgio é compartilhar um mundo criado inteiramente por ela.


SOBRE A EDIÇÃO   

O projeto gráfico deste livro e da coleção Sete Chaves, de autoria de Laura Lotufo, foi inspirado nas estereoscopias eróticas que se difundiram na segunda metade do século XIX. Esse tipo de fotografia consistia na captura de um mesmo objeto em dois ângulos levemente diferentes. No estereoscópio – uma câmara escura com aberturas apenas para os olhos –, as imagens eram exibidas lado a lado, criando a ilusão de uma cena tridimensional. Esse tipo de artefato logo se revelou útil para exibir, de maneira discreta e individual, cenas de corpos nus e imagens sensuais. Um conteúdo que poderia ser considerado indecente e chocante. A citação à câmara estereoscópica remete, portanto, à ideia de proibição e segredo associada ao conteúdo dito licencioso do erotismo, unindo-se ao princípio da Coleção Sete Chaves.

Característicos da estereoscopia, as bordas arredondadas das fotografias aparecem nas imagens presentes nos livros, assim como o formato do próprio livro, com seus cantos curvados. As famílias tipográficas utilizadas são a Flecha (2019), de Rui Abreu, para os títulos, e a Lygia (2017), de Flavia Zimbardi, para o texto principal. A Elza (2021), de Daniel Sabino, serve como fonte de apoio.


SOBRE A COLEÇÃO 

A coleção Sete Chaves é voltada à moderna literatura erótica produzida nos últimos séculos. A ideia da série, cujo nome já remete a um conteúdo tido historicamente como licencioso e sujeito ao segredo, é apresentar ao leitor obras de alta qualidade literária que exploram o tema do erotismo em suas mais diversas formas. Dos grandes clássicos europeus do gênero até as memórias homoeróticas dos bas-fonds sul-americanos, incluindo os eruditos que publicaram obras obscenas sob pseudônimo ou ainda a verve radical e desbocada das feministas contemporâneas.

A coleção conta com a curadoria de Eliane Robert de Moraes, professora de literatura da Universidade de São Paulo e referência acadêmica no tema. “Sejam textos aclamados ou expurgados, canônicos ou desconhecidos, graves ou cômicos, em todos eles o que se comemora é, antes de tudo, o poder que a fantasia tem de multiplicar o desejo sexual”, explica a curadora, que considera inumeráveis as “portas e comportas lúbricas que se abrem com essas Sete Chaves”.

Autor(a)

A inquieta escritora, cujo nome de batismo era María Rosa di Giorgio Médici, define assim seus primeiros dias: “Vim à luz neste florido e espelhante Salto de Uruguai, faz um século, ou ontem mesmo, ou mesmo agora, porque a cada instante estou nascendo. Era lá por junho, um domingo, na metade do dia”. Di Giorgio era descendente de imigrantes italianos e bascos, donos de uma propriedade na zona rural de Salto. Era uma família devota do catolicismo, que a escritora transformaria numa religiosidade pagã muito evidente em seus escritos. Quando jovem, integrou um grupo de teatro como atriz. Di Giorgio morou grande parte da vida com sua mãe, cuja morte a inspirou a escrever o livro Diamelas a Clementina Medici. Reuniu seus 14 livros de poemas em dois volumes sob o título Los papeles salvajes (1989 e 1991). Entre as obras de cunho erótico, publicou Misales (1993), Camino de las pedrerías (1997) e Reina Amelia (1999). Di Giorgio morreu aos 72 anos, em Montevideu, cidade na qual vivia desde 1978.

Ficha Técnica

Informação Adicional

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Dimensão (cm) 13 x 18 x 2
Peso (g) 265
Ano de Publicação 2023
Número de Páginas 180
Encadernação e Acabamento Capa dura laminada com cantos arredondados e corte pintado
ISBN 978-65-5461-038-4
Escritor(a) Marosa di Giorgio
Tradutor(a) Josely Vianna Baptista
Ensaísta(s) Eliane Robert Moraes e Gabriela Aguerre
Designer Laura Lotufo
Ilustrador(a)
Idioma Original Espanhol
tradutor ensaio

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